As fake news não circulam apenas por ignorância. Essa é a principal constatação da tese de doutorado da bibliotecária e pesquisadora Dra. Cristiane Sinimbu Sanchez, realizada sob a orientação do Prof. Dr. Rafael Cardoso Sampaio, defendida em abril de 2025 no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPR. O estudo revela que conteúdos falsos são utilizados de forma estratégica por determinados grupos sociais para reforçar vínculos identitários, crenças morais e visões de mundo — especialmente em contextos de disputa política intensa.
Ao longo do trabalho, Cristiane mediou 12 grupos focais, com 71 participantes organizados por faixa etária e espectro político. A metodologia permitiu analisar como diferentes perfis interagem com conteúdos desinformativos em seu cotidiano. Os relatos mostraram que o compartilhamento de fake news muitas vezes é consciente, deliberado — especialmente entre pessoas alinhadas à direita — e atende a uma lógica de “guerra cultural”, na qual a desinformação é percebida como instrumento legítimo de combate simbólico.
Um dos principais achados da pesquisa está na relação entre fake news e emoções. Segundo Cristiane, conteúdos que provocam indignação ou raiva tendem a se espalhar mais rapidamente, justamente por mobilizar respostas emocionais que antecedem a verificação racional. “Seja pela raiva, seja pela indignação… quanto mais um conteúdo mobiliza emoções, mais as pessoas se engajam com ele, sem se preocupar com a verificação dos fatos”, explica.
Essa dinâmica afeta diretamente a maneira como compreende-se e valoriza-se a verdade em sociedade. “Nessa polarização, estamos disputando o sentido e, nisso, o sentido de verdade fica fluido. Em geral, hoje, não é mais o fato que interessa, e sim a crença — o modo como você se relaciona com determinado conteúdo. O fato, a verdade, fica em segundo plano”, complementa.
A autora aponta que grupos mais jovens tendem a compartilhar fake news por interesse em visibilidade nas redes sociais, engajamento ou motivações políticas e econômicas. Já pessoas mais idosas tendem a compartilhar por confiança na fonte, como amigos e familiares — mesmo sem checar o conteúdo.
A pesquisa também identificou um avanço de valores conservadores nos discursos analisados, o que polarizou temas como religião, gênero, sexualidade e política. O compartilhamento de notícias falsas opera como um reforço dessas visões morais, criando fronteiras entre “bem e mal”.
Para identificar os padrões das fake news mais recorrentes, Cristiane analisou peças desinformativas verificadas por agências de checagem e usou ferramentas como o software MAXQDA, que ajudaram a mapear temas mobilizadores e características gráficas e verbais das fake news, como:
Além disso, a tese incorpora fundamentos da psicologia social, como viés de confirmação, sistemas de crença e dissonância cognitiva, para explicar por que as pessoas resistem a mudar de opinião mesmo diante de fatos verificados.
A tese também problematiza a eficácia de políticas públicas baseadas apenas no letramento informacional/digital, que apostam na ideia de que informar mais gera automaticamente decisões melhores. Para a pesquisadora, é necessário considerar os afetos e as disputas simbólicas que moldam o comportamento informacional das pessoas. “É preciso, claro, trabalhar a questão mediática na base, mas também buscar espaços de diálogos e consensos, espaços de deliberação e discussão nas escolas, nos grupos familiares… A mídia tem papel relevante na busca por essa conciliação”, diz. Cristiane também aponta como necessária e urgente a regulação das plataformas.
“Eu quis entender o que motivava as pessoas a compartilharem fake news. A resposta está muito mais nas emoções e nos vínculos sociais do que na falta de informação. Não é só uma questão de ignorância. É, em muitos casos, uma forma de expressão identitária e política.” — Cristiane Sinimbu Sanchez
A tese está disponível no Repositório Digital da UFPR.
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SANCHEZ, Cristiane Sinimbu. O bem versus o mal: fake news como arma das batalhas morais em disputa nas guerras culturais. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2025.
Por Danielle Salmória (Seção de Comunicação e Marketing do Sistema de Bibliotecas da UFPR).